segunda-feira, 20 de julho de 2009

ÔNUS


"A realidade é um local muito bom de visitar.
Mas não é bom morar lá"
(Marshall Sahlins)



No meio da noite, dois mentecaptos trocam farpas entre si. Um deles, ironiza, afirma: "ela não é santa? Eu vou rezar..." Faz gesto. Tem sotaque de cidade do interior, talvez mineiro. O outro avisa que ela é filha de santo, "não se pode mexer com ela"
(Seria mesmo por isso que não se pode incomodá-la?)
Um outro, homem da Lei, infartado, não pode socorrer, está no hospital, tantas foram as pressões contrárias. Há de salvar-se, tem mérito e uma rede de amigos confiáveis. Talvez até já tenha evaporado de lá...
A conversa continua, animada, acham que ela já está para ser "desovada":
- Nessa aí, a gente não coloca mais nada!
- Mandaram colocar até tranca nas portas das casas, a gente não pode nem mais estuporar as mulheres!
- Ah, ela não queria dar!
- Não pode mais fazer NADA!
- Ela é muito bonita, eu queria pegar!
- Era pra colocar até ela confessar, mas ela não confessa!
- Vamo embora, ela tá pra acordar!
- A outra também pode acordar, ver e denunciar!
O homem a contempla desejoso. Ela olha e vê o gordo e o magro, mal-afeiçoados. Parece um pesadelo. Eles desaparecem. Vira para o lado e dorme novamente. No entanto, sente algo estranho no corpo, que pulsa.
Não sabe quando nem como termina a perseguição. Mas protesta: é uma negra da nação Ketu. Toma o café, come o pão, bebe o leite. Simplicidade. Sua garganta logo fecha e arde.
Nada demais: apenas rotina do terror. É. Cada um escolhe o seu Senhor.
Mistério...

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