segunda-feira, 6 de julho de 2009

Bastidores da criação.

"Mur de briques. Bibliothèque!"(Max Jacob)

Lent et douloureux. Escutei Satie. Lembrei-me:
Naqueles dias as horas corriam estéreis e havia a sensação de que o ar estava seco e o pulmão já não absorvia o ar. O que existia de concreto era a folha branca e seu vazio sombrio. Era preciso que o negro preenchesse a página. E lutava-se com isso.
Conservava-se o segredo, no entanto. Respeitava-se os limites.
Ora o texto escorria entre os seus dedos feito mergulhos n'água, ora escapavam e nada se fazia. Cumprir um tempo determinado era sempre a regra. Porque do tempo ninguém escapava. Éramos vistos como seres privilegiados e as cobranças eram inevitáveis. Éramos invejados sim, porque isso era de se prever numa sociedade de desiguais. Tratava-se de encarar o desafio, de cabeça erguida e sem perder la ternura jamais. Era também um desafio não perder a dignidade, diante dos testadores. Pois vez por outra, havia sempre alguém oferecendo portas abertas para a ruína com um sorriso acolhedor. Recusava esse abismo e essa depressão.
Havia uma reação: o corpo se contorcia numa recusa para a destruição. Pois sempre dissera "não" à corrupção.
Fora estudante pobre, sem recursos, almoçava sempre em restaurantes universitários, sempre fora de escola pública, e ficava sempre feliz com coisas poucas, como, por exemplo, quando alcançava a compreensão de um conceito. Atingia alta abstração. Sorria. O lugar comum também lhe agradava: coisas sem preço. Um conhecimento de valor incalculável.
Quando tudo travava sentia-se numa prisão: da cor, dos sentidos. Sua expressão era como respirar: obrigatória. A liberação só acontecia quando experienciava o movimento. Então no Tai-Chi se locomovia, libertavam-se as tintas pretas. Coroava-se de energias. Cobria-se de idéias. Nadava borboleta. Descansava os sentidos. Voltava para casa e debruçava-se no lençol da criação.
No nada do silêncio, naquele sobrado em que escrevia, percebia-se como uma consciência desperta.
E nunca estava só.



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