quarta-feira, 8 de julho de 2009

AGONIA:O.B.B.O

AGONIA
"A história é uma galeria de quadros
em que há poucos originais e muitas cópias."
(Charles A. de Tocqueville)

Continuemos. O sentimento do trágico ainda não havia lhe descolado da pele. Nem de nenhuma de suas profundas superfícies. Fora apenas um breve momento de felicidade. Ontem mesmo essa náusea, esse desconforto parecia ter partido de seu cotidiano. Ledo engano. Pensara até que estivesse livre. Por isso, sorria beatificamente. Olhava com bons olhos para todas as situações inusitadas. Abençoava tudo. Pisava leve. Festejava. Mas seus dias de paz logo se tornaram apenas projeto, sonho mesmo - na verdade, eram dias de luta. Felicidade abortada.
Naquela mesma noite, como um pesadelo, um estranho parecera invadir seu recinto. Era fétido, parecia nervoso. As glândulas, nesse caso, sempre produzem esse suor que nos dá calafrios. Péssimas emanações.
Assim, sem poder reagir (pois costumava dormir pesado) sentira que uma espécie de castigo lhe seria imposto. Espécie de O.B. mal colocado que lhe provocava sério desconforto e massacrava seu bom humor de todos os dias. Sonho recorrente. E como uma torneira que nunca pára de pingar, continuadamente, sem solução, tudo recomeçava. E as idas ao toalete no outro dia eram frequentes e inexplicáveis. Sem provas, ela se calava. Os cabelos também ardiam, teria sido algum excesso de amoníaco na fórmula gasta do shampoo? Mistério. Não sabia se o crime tinha cúmplices ou não. Também não sabia o motivo de tanto terrorismo. E quando relatava o pesadelo diziam-lhe, com toda certeza, que delirava. Mesmo assim, talvez ingenuamente, esperava alguma espécie de salvação. Ora, não podia mais tolerar ser tratada como um robô. Sem chips, era o que queria. Dispensava os testes: nunca os havia pedido. E lhe diziam também que via muita novela...aliás lhe diziam muitas coisas que não tinham sentido. Tudo bem, em sonho o psicodelismo é permitido.
(Cf. tela de Salvador Dali).
Maria era uma pessoa pacata. Uma pessoa. Tudo que desejava era usufruir do que tinha conquistado em sua trajetória acadêmica. Também amava sua costumeira liberdade de ir e vir. Era bem comum: não lhe achavam feia, mas seu capital acumulado sempre fora a cultura. Nunca a beleza, nem o ornamento. Levantava-se ao amanhecer e adormecia ao anoitecer. Nesse meio tempo, estudava. Nada demais. Seguia as leis como qualquer cidadã. Como muitos em seu país queria passar em um concurso público. Por isso organizava-se, lia, refletia, alimentava-se. Em outros tempos praticaria também algum esporte. Não agora. Tinha rotinas de esperanças típicas de quem espera por mudanças. Nunca se casara, nunca tivera filhos, tinha uma saúde de ferro e nenhuma cirurgia. Acreditava, como qualquer mulher, que um dia encontraria o seu Shrek, porque em negócio de príncipe não confiava. Para ela, o amor era questão de sorte, era uma romântica, porém, não ingênua. Olhava com desconfiança para os arranjos amorosos, mas tinha de admitir que em alguns casos, tratavam-se de encontros acertados. Ao menos, lhe parecia.
Em alguns pesadelos desses noturnos pediam-lhe que parasse de escrever. Mas era assim que respirava nesses dias de cofre vazio. (Pedido negado: mil desculpas).
E sendo assim, Maria pensava em transformar o O.B em B.O: em homenagem ao BOBO que lhe investira de tal coisa, lhe visitando - imaginariamente.
Et moi, narradora, não disse nada. Tudo isso é ficção. Eu nem escrevi isso. Não me comprometo jamais: "ah, foi uma amiga de infância..." E eu sou uma Ghost Writer! (sic!).
Você que acabou de me ler saia agora de sua sala e diga que não sabe e que nunca viu:
"qualquer coisa, fale com os meus advogados".

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