P.I.G.S. "Eclipse". 2009. |
(cantado por Chavela Vargas)
Uns olhos são minha casa. Apesar da mistura de ternura e ódio neles contido. A intensidade deles me impressiona, me devora e me conquista. Uma força única. Outro é o avesso, nem sei.
Assisto ao espetáculo. Mas também estou nele. Sou espectadora e também personagem. Presente e ausente. Ele se surpreende com algo inexplicável.
Em outra hora, ele grita com alguém que desconheço. A teia foi urdida. Estou nela e apenas por acidente. Sim, estou naquele lugar por um acidente, por informações desencontradas. Mas o engano nos aproxima e nem lamento. Sorrio. Ignoro as falas desconexas e sem sentido. Não surtem efeito sobre mim.
Parto e retorno. Não suporto não entender. Depois é você que tem uma nova chance. Você volta e luta por justiça. Mas é você mesmo? O azul pode ser o mar, a paz, mas também o infinito ou também uma tempestade, os ventos bravios que acidentam as embarcações. Repouso em azul. Deito-me nas águas e contemplo o céu.
Mas esse céu de repente muda de cor. Então vejo outros olhos. Esses são apagados e se revelam sem rumo, sem sentido e quase sem luz: ele se vê torturado pelo ciúme. Quer punir a mim, mas eu não me vejo naquele enredo. Intrigas, sempre a perversidade alheia. Digo-lhe que foi apenas um vinho e nada mais. Outro lhe sussurra ao ouvido que não; e conta-lhe uma história repleta de bebidas, luares, prazeres. Ele acredita. E então sua intensidade azul se torna rubra - dá-me as costas.
Afundo em alto-mar, ondas me tragam. Sou sugada ao fundo.
São outros esses olhos? Da crueldade, da ruína, da destruição? O azul se torna cinza.
Confusão: a inimiga da felicidade. E multiplicam-se as falas, os gestos. Ecoam nos ouvidos as artimanhas. Os discursos: "fui eu que...". As identidades: "ah, sim, sou eu!"; "não sou eu quem sai às ruas..."; "sou eu a verdadeira..."... Personagens se multiplicam. Fico confusa. Quem é quem? O mal pode ser o bem e o bem, o mal.
Dói nos ossos a separação.
O cheio se esvazia. A onda vem, a onda vai. Nem a dualidade traduz explicação. Vivemos deslocados. Sem guarida.
A profundidade não é má. Saio dela energizada. Subo dourada pelas pedras. E nada acontecera. Foi só um dia de verão, quando o azul se tornou cinza. Caía a tarde.
E eu não te perdi. Meu amor foi buscar a sua razão como um porto.
E você não se afogou.