terça-feira, 19 de maio de 2009

De Entrelaços e Desencontros

P.I.G.S. "Eclipse". 2009.


"Pero mis ojos se mueren sin mirar tus ojos"


(cantado por Chavela Vargas)



Uns olhos são minha casa. Apesar da mistura de ternura e ódio neles contido. A intensidade deles me impressiona, me devora e me conquista. Uma força única. Outro é o avesso, nem sei.


Assisto ao espetáculo. Mas também estou nele. Sou espectadora e também personagem. Presente e ausente. Ele se surpreende com algo inexplicável.


Em outra hora, ele grita com alguém que desconheço. A teia foi urdida. Estou nela e apenas por acidente. Sim, estou naquele lugar por um acidente, por informações desencontradas. Mas o engano nos aproxima e nem lamento. Sorrio. Ignoro as falas desconexas e sem sentido. Não surtem efeito sobre mim.


Parto e retorno. Não suporto não entender. Depois é você que tem uma nova chance. Você volta e luta por justiça. Mas é você mesmo? O azul pode ser o mar, a paz, mas também o infinito ou também uma tempestade, os ventos bravios que acidentam as embarcações. Repouso em azul. Deito-me nas águas e contemplo o céu.




Mas esse céu de repente muda de cor. Então vejo outros olhos. Esses são apagados e se revelam sem rumo, sem sentido e quase sem luz: ele se vê torturado pelo ciúme. Quer punir a mim, mas eu não me vejo naquele enredo. Intrigas, sempre a perversidade alheia. Digo-lhe que foi apenas um vinho e nada mais. Outro lhe sussurra ao ouvido que não; e conta-lhe uma história repleta de bebidas, luares, prazeres. Ele acredita. E então sua intensidade azul se torna rubra - dá-me as costas.


Afundo em alto-mar, ondas me tragam. Sou sugada ao fundo.


São outros esses olhos? Da crueldade, da ruína, da destruição? O azul se torna cinza.


Confusão: a inimiga da felicidade. E multiplicam-se as falas, os gestos. Ecoam nos ouvidos as artimanhas. Os discursos: "fui eu que...". As identidades: "ah, sim, sou eu!"; "não sou eu quem sai às ruas..."; "sou eu a verdadeira..."... Personagens se multiplicam. Fico confusa. Quem é quem? O mal pode ser o bem e o bem, o mal.


Dói nos ossos a separação.


O cheio se esvazia. A onda vem, a onda vai. Nem a dualidade traduz explicação. Vivemos deslocados. Sem guarida.


A profundidade não é má. Saio dela energizada. Subo dourada pelas pedras. E nada acontecera. Foi só um dia de verão, quando o azul se tornou cinza. Caía a tarde.


E eu não te perdi. Meu amor foi buscar a sua razão como um porto.


E você não se afogou.



quinta-feira, 7 de maio de 2009

Espadas



Espadas


"Les vivants sont donc morts et perdus dans les ordures de la vie"(Anônimo)


Caminho em ruas desérticas e sem asfalto. Percebo vários buracos. Em torno deles os passantes passam. Nas esquinas, os cães ladram mesmo sem qualquer barulho. Olhos se perdem, desertam e desistem... e vários já partiram. Vejo e olho as fendas no solo cinza. Há escrituras de histórias às vezes apenas iniciadas.
Noto o abandono das lutas pessoais desprezadas, esquecidas, quase travadas e inconclusas.
Muitos já esqueceram até de seus próprios nomes.

Há espadas. Há espadas sempre nesse caminho, de madeira, de latão, de ouro, jogadas fora, abandonadas...

Mas eram as espadas de cada um, e cada um tinha a sua, diferente, de história diferente, de enredo e de obstáculos diferentes. Há luz e sol para todos.

A cada um o seu lugar - é o que digo sempre.

Ocupar o lugar de outro pode ferir a própria alma: ela tem seu próprio enredo e cor.
Lamento muito os enredos des-tecidos.
Abandonaram seus sonhos. As conquistas que teriam. As alegrias de conseguir realizar cada sonho.

E foram vagar pela vida...como zumbis no asfalto.
Ser mais um.
Chamados tinham sido. E poderiam ter contribuído para a obra. Mas acharam que se tratava de uma busca sem sentido e que era tudo desvario.

Partiram.
Então me encontro só e ainda acredito e ainda aposto em todos os meus calafrios, desatinos e sussurros astrais.
E ainda pergunto para eles: "posso pegar? vocês jogaram fora!" - Só por provocação (porque jamais eu pegaria o que não me pertence) e já nem me respondem... não há mais força. Não há sequer vontade de dar qualquer justificativa. Fico admirando a beleza das espadas, tudo aquilo - mesmo num deserto - tem beleza.

E com a minha vou seguindo minha estrada. Em solitude.