domingo, 27 de janeiro de 2008

Gato Preto

Foto 15: "Perto do Jardim Botânico". P.I.G.S. Rio de Janeiro, 2008.
“Eu vi a luz em um país perdido
A minha alma é lânguida e inerme
Oh! Quem pudesse deslizar sem ruído!
No chão sumir-se, como faz um verme...”
(Camilo Pessanha)

Passeava nu entre telhados sujos. Sabia que somente a rua era seu país. Não tinha dono e a liberdade era seu maior trunfo. Talvez fosse ele o destino, inexorável e incerto, apontando para becos imundos nas incertezas de suas sete vidas.
Pulou no escuro e no asfalto quente, e não sabia ao certo que ponto atingiria em seu salto mudo. A imensidão era obscura e a caça, inviável. Mas, apesar de tudo, ao menos o tempo parecia conspirar a seu favor, levando as folhas, trazendo o vento. E todo olhar cruel havia sido cremado pela chuva, em ópera incógnita, transparente, juntamente com o sol.
Por isso sorria.
A estrada estava banhada pelos raios avermelhados da tarde outonal e pareciam abençoar o seu nome, coroá-lo depois de tantas idas e vindas. Foi depois de ter tocado o sinal verde: era certo que agora seria mais livre do que nunca e, sobretudo, mais feliz. Raios, tempestades, chuvas e uma lua que se insinuava falavam em uma linguagem secreta e estranha que somente aos felinos era permitida a entrada.
Estremeceu. E de súbito compreendera. Decifrava os signos. Deslizava incólume. Deslembrava... Então deixou que as águas escorressem, que a presa se fosse, que chovesse, que os pássaros alçassem vôo, que as borboletas fossem belas. E todo esplendor à beira do rio se erguera em comunhão.
Ao acordar, havia apenas o rugir do meio-dia.




Niké

Imagem Niké: Google.
"E no silêncio uma folha caída,
uma batida do remo a passar."
(Rui Barata)


Busco a vitória. Alada, concludente. Procuro-a, mas sem concentrar-me no ego. Ela sai pelos pés e pelos poros da pele. Serpenteia pelo eixo e sai pelo coroa. Há profundeza na superfície e em tudo que parece simples demais, sem ritual, sem complicações. Em busca, recebo. E não possuo o que recebo. Não é meu o que emana e explode em sintonia com o universo. As vibrações da natureza abraçam-me e já não estou só. Tudo emana e tudo é Um. E o Um está em Tudo. Ele sopra e sai e entra. Notas musicais ecoam de todo o universo e basta ouvir, que não há mais dor nem mistério. Comungamos do OM – o som do universo. Fica tudo em harmonia já que se é apenas um ponto num imenso universo, galáxia, dimensões. Sem as ilusões que alimentam o ego humano agora é só deixar fluir por todo o corpo e não só a mente. Ishtar dissolve-se em água divinas. Flutua como uma estrela de cinco pontas, humana, de pernas e braços abertos indo e vindo ao gosto da maré. É e não é fragmento. Pronta para a morte, sempre. A deusa Niké conduz a viagem. Toca o anúncio fúnebre e ele é triste. Há dois mortos mumificados... talvez um dia despertarão...E o toque melancólico atinge-me como um pranto de saudade...

Náusea

Foto 14: "Leão em fuga", exposição RJ, P.I.G.S., Rio de Janeiro, 2008.







A vida nada mais é do que uma sombra que passa, um pobre histrião que se apavoneia e se agita uma hora em cena e, depois, nada mais se ouve dele. É uma história contada por um idiota, cheia de fúria e tumulto, nada significando...”
(Shakespeare in Macbeth)


Tudo se fragmenta. A realidade nauseia e descalço, anda pelas ruas inebriado de fatal realidade. O chão é negro, maciço e frio e do frio se tem muitas histórias para contar. Mas isso não importa. Elas perderam todo o peso e de tanto que foram ouvidas deixaram de existir e passaram à zona de sombras, local em que os gestos mais nada significam.
Ei-los agora. Nada olham, nada fazem, apenas esperam e a espera é o pior de tudo. A espera apenas, e do momento final. “Cultuam o vazio” – ele disse. E soprou-me no ouvido o ar de uma incrível melancolia. Era preciso que o ar fosse novamente sentido e que penetrasse nos corações, acalentando com muita luz essas vidas. Isso tudo foi transmitido apenas por um olhar, mas nele a certeza era a única mensagem.
É com serena postura que ele vem e constata a ausência de sede. Seres sem vontade, andrajosos, caminham em fileiras lentamente e num corredor escuro só devem esvaziar-se da subjetividade e fugir ao Grande Desconhecido. O ser pálido conduz a cerimônia e não há nada, apenas o vazio. Nem ordem, nem senso. Mas daí nasce a dor. Essa, do não-existir. Como não perceber? A falta de sentido de qualquer movimento – pois o trono é de areia e ela se faz pó - pois já não têm esperança, desejos, sonhos. Toda taça era trazida vazia e ele, o vácuo, era o único cultuado.
Ele que viu e adentrou em tudo constatou que era preciso que a taça se enchesse. Que o líquido precioso não se perdesse e que o brilho dos olhos novamente resplandecesse.
Mas era preciso lutar. Pois a guerra não estava perdida nem ganha
.

"Malleficarum"

Foto 13: "Pós-moderno, na exposição RJ". P.I.G.S., Rio de Janeiro, 2008. 
E foi tudo assim,
sem mais nem menos,
reconheço que os deixei atônitos,
mas será tal fato assim tão grave
o suficiente para terem me levado numa camisa-de-força?
(Helena Jobim)
Caíamos. E em velocidade absoluta como num passeio de montanha-russa. Passeio? Não. Apatia, indiferença, decrepitude. Mas se ao menos encarássemos a dor...e não. Nos anestesiávamos porque não queríamos ver nem sentir. O mal tinha um rosto horrendo. Não o queríamos ver.
A falta de atitudes, de gesto, de cheiros, de grandes paixões, de vida. O mormaço e o sol de verão não mais despertavam para um novo dia com mais conquistas. E sim falavam sobre destruições... e o mal escondido dentre nuvens cinzas e brumas pesadas de palavras não-ditas. E os amores estavam perdidos, em fuga, porque a vida fora sufocada.
Naquele dia todos os sentimentos foram estilhaçados. Porque ser era proibido. Chorar era proibido. Precisaríamos recuperar essa coragem de viver as emoções. Depois da fuga, cada um entrara em seu próprio mundo. Depois de tomada a substância todos se foram. E partiram para o mundo sem dores, da falsa alegria, da completude perdida e vivida somente no útero materno.
Naquele dia diferentes vozes foram ouvidas. Eu não sabia mais a diferença entre o tempo, o espaço e o ser vivo. E ela, a grande e terrível mensageira me olhava friamente. Me dizia que diante dela tudo deveria calar-se e ganhar uma mudez ancestral que só diante de sua verdade tal seria possível. O irremediável. O grande encontro. Sempre invocado nas orgias. E ela fora chamada e estava lá: segurava uma espada de prata cortante e fria. E em seus olhos havia um poder absoluto. Sem idade. Estava toda vestida de preto e seus poderes resplandeciam pelos detalhes em prata da vestimenta ancestral. Veio, olhou e nada proferiu. Sim, tive medo. Achava que a águia me raptaria em seu bico e não era a hora mas eu a vira porque a invocara. Morte, serena morte. Eu te conheci, e depois fiquei em prantos e inutilmente fui socorrida. Tentaram me retirar de teu abismo mas era tudo em vão. Meu corpo estava lá e meu espírito vagueava entre a morte e a vida. E quis a luz, a razão, as certezas, lutei por ela, gritei em altos brados, vida! Vida! Vida! Debati-me, queria ar, queria a vida com seus encantos e suas cores de inconstância, só que tudo era terrivelmente frio e soturno. Imagens horrendas acentuavam-se à minha frente: era a sombra de cada um.
Naquele dia eles vieram e não disseram nada. Desvaneci-me de súbito entre agulhas, paredes, camisas e homens de branco. Eles – que nada diziam e ofereciam-me o real como ruína. Eles – que se achavam em plena posse das faculdades mentais. Eles, donos do poder, que me obrigavam a beber do triste cálice do ilusório racional.
Atrozes as ruínas, as gargalhadas e todo o controle. Atroz, sem história e sem nenhum sentido. Além de mim, outros seres vagueavam já sem vida. E outros sorriam debilmente para a falta de futuro.
Eis-me aqui agora, absorta, nessa praça, debaixo dessas árvores recurvas, perscrutando esse vento que me sopra essa vozes antigas, tentando encontrar novamente o caminho que me levará a Malkut.

sábado, 26 de janeiro de 2008

Insone

Foto 12: "Exposição RJ". P.I.G.S. , Rio de Janeiro, 2008.
"Um não sei que de saudade doendo
uma saudade sem tempo ou lugar,
uma saudade querendo,
querendo ir e querendo ficar".

(Rui Barata)




Sobrou-me asas que não se abriram nesta queda. Do presente, tudo que sei é que muito se dissipara...levado pelo vento. E a única realidade é este solo de asfalto quente que vou ter que pisar, encarar, quem sabe ainda até sofrer...para que no final eu possa vencer até. E adio, adio, o momento da viagem, da concretude, dos problemas que já sei... é que me abomina a mediocridade, a pequenez, os abusos – e lá vou eu...
Mergulhar nesta onda.

Fragmentação

Foto 11: "Pássaro". P.I.G.S., Rio de Janeiro, 2008.
Uma cantiga de amor se mexendo,
uma canoa no porto a cantar,
um pedacinho de lua nascendo
uma cachaça de papo “pru” ar.

(Rui Barata)


Tem que querer não ter raízes e cair no mundo comigo. Tem que querer vencer e ser grande. Tem que querer. Tem que querer não ter identidade, cair ou subir. Dançar conforme. Ser autêntico. Ter-me em adoração. Tem que querer-me como única. Tem que ser o companheiro de aventuras. O ombro amigo. O equilíbrio e a loucura. A lucidez e a razão quando necessárias. ...
Mas hoje a incerteza me toma e tudo parece fugir de minhas mãos. Não sou nada. Não sinto nada. Estou desabrigada e a tempestade pode apagar todas as pegadas da história, minha e do mundo. Como sair desse covil? Como retomar o curso das estrelas, a luz e o otimismo, tudo nos esmaga e somos apenas humanos e vamos retornar todos ao pó. Ao nada primordial.
Existimos e ninguém tem certeza de nada. Tudo ilusão, como pode alguém pensar que possui a verdade? Mentira, retórica. Estamos todos a caminho e abrindo clareiras no mato, cegos, surdos e mudos. Porque perdemos a mensagem essencial.
Para onde então?
Quem nos salvará das dissoluções e das promessas não-cumpridas deste dia sem fim que se esparrama sobre nós? Todo o peso do mundo me esmaga hoje e não sou ninguém. Apenas um ser indo contra tudo, enfrentando essa carga pesada sem saber porque está tendo que enfrentar esse peso todo. Ok, quem sabe...amanhã, a leveza.
21/05/03 19:22:41

Encontr(ato)


"A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida".

Querias abrigo na sombra e o ar te sufocava tanto que querias correr até que o peito arfasse e tivesses o coração leve... e livre – finalmente libertado da angústia. Mas por que procuraste? Procuraste e achaste o que estiveras procurando por anos a fio... tanto desejaste que o astral mudo acabara te ouvindo e atendendo ao teu pedido... mas diante do que reconheceste como verdadeiro tesouro tiveste medo, como todo mortal, e a vontade foi de correr por horas sem parar até que todo o peso passasse e com isso recuperarias o à vontade e a naturalidade diante do teu desejo... mas era impossível...tudo fazias e quanto mais fugias mais o desejo se impregnava em ti, como um tigre às costas... e aí já não sabias se corrias ou se te voltavas para trás, para olhar – fascinado - o que querias, o que desejavas, o que procuravas. Num ímpeto de coragem até foste olhar para a esfinge mas sem colocar nenhuma questão e quase paralisado de medo, fizeste o teu jogo, e tudo foi por água abaixo... não havia chegado o momento, não tiveste o lampejo de coragem necessária para desafiá-la e ganhar a partida. Toda esfinge precisa de um enigma. Bastava que estivésseis completamente seguro de ti e de tuas decisões – inteiro. Aí sim colocarias a questão, ela perceberia a questão posta, toda inteira, e te admiraria... talvez até se fascinasse e assim terias introduzido a mudança nesse jogo... mexendo uma peça tudo aconteceria de outra forma... olhando-te e certificando-se de sua firmeza ela seria incapaz de te impedir os avanços e com isso abriria todos os portais que desejasses e tivésseis o direito. Porque o tesouro está lá, o seu, basta saber entrar. Mas o homem virou menino, enrubesceu, pediu socorro, olhou para os lados e saiu correndo...
Qual animal amedrontado, foge até agora. 7/9/2004 17:57:11

Desvelação

Foto  9: Patrícia Garcia. "Altos do Pão de Açúcar".  Rio de Janeiro, 2008.

"Amar, porque nada melhor para a saúde que um amor correspondido".


Aquele céu jamais se repetiu. Na fria madrugada, fui convocada a percebê-lo. Sem compreender, meio acordada, meio dormindo, caminhei até a janela da sala e avistei-o: meio azul, meio avermelhado, porque o sol estava para nascer. E a lua, no centro do quadro azul escuro, tinha um fio de luz, uma meia-lua dentro do redondo, estava fantástica e misteriosa. A aureola era da lua negra e também da lua nova. Fim e começo. Um novo paradigma se anuncia para o mundo. E o astral se reúne. Meus semelhantes se reúnem e tenho saudades: queria estar lá. Mas estou aqui: mensageira. Assim senti naquela hora, mudança, infinito. Como se o trânsito entre os mundos estivesse aberto. E queriam que eu visse, que sentisse, que tivesse olhos para ver, ouvidos para ouvir, mas que soubesse me calar para evitar a confusão e as perseguições. O segredo é potência, ele faz parte desta transformação, para que ela se dê sem grandes desassossegos, sem loucura, sem choques, ele deve ser necessário. Mas a passagem aí está. Porta aberta para quem quiser receber o influxo do infinito, da doce madrugada. Agradeço a benção e volto para a cama. Inesquecível, inenarrável este céu das cinco da manhã... mágico até. A aube de Rimbaud. O anúncio da Nova Era. Volto a dormir esperando que isso se repita no outro dia: não se repete. A mensagem foi aquela agora já ida. Por três dias voltei a mesma hora e nada aconteceu. Tudo fechado. Provavelmente Eles se reuniram aquele dia sim e os que fazem parte do plano souberam...era como uma conspiração, mas uma boa conspiração. Os que têm medo dela fazem parte do velho mundo que será inevitavelmente superado. Assim é porque assim o sinto nesta hora. Se for ilusão, esta o é muito doce, porque me acalma, me faz acreditar que nada foi em vão. E que ainda vou descobrir este eu sou. Porque estou me buscando no ponto negro, no círculo, mas ainda me sinto um fragmento...sei que estou sendo auxiliada e que tudo caminha e está em ordem, apesar de tudo.

"BRAVE HEART"

Foto 8: Patrícia Garcia. Minha mesmo. Altos do Pão de Açúcar.
Plonger au fond du gouffre,
Enfer ou ciel, qu’importe?
Au fond de l’inconnu
pour trouver du nouveau!”
(Baudelaire)
A montanha que vejo bem que deveria ser construída de livros... mas não: são pedras, são símbolos, tem roseiras e têm espinhos. Escada de Jacó...não...esta é bela, a montanha não. Estava na base até outro dia, mas já tomei a decisão de não voltar e comecei a subir, comecei a fazer a escalada apenas com um punhal na mão, sem alardes, sem fazer qualquer barulho, para quando chegar lá, retirar o tesouro dentre as pedras cravadas no topo da montanha, silenciosamente, enquanto todos estiverem dormindo... Depois sim, a caminhada poderá ser narrada e eu terei uma carta de alforria nas mãos, dentre muitas outras benesses... mas este momento talvez esteja ainda um pouco longe. Ou não, tentemos subir mais rápido...quem sabe...Já que Hórus fica me olhando todos os dias...
Subir dói, sou Prometeu e todos os dias os abutres me comem o fígado, mas é melhor ignorar o fato, porque lá é belo. Todos buscam esse tesouro, eu sei, e já houve quem me impedisse de ir buscá-lo, e continuará havendo, e eu continuarei enfrentando-os, altiva como uma Antígona. (É melhor invocar todos os mitos conhecidos, todas as forças – vou precisar delas. E já sei invocar, tenho também meus auxiliares mágicos se preciso).
Em baixo, o terreno ao redor é feio, fétido e cheio de ratos. O vento sopra e é frio, e fere, fere o rosto e as entranhas. É claro que chove. Daquelas chuvas que doem na alma, porque vem junto com o vento desafiador. Mas além, vejamos além. Posso transformá-lo em aliado, iremos a combate e então este vento me respeitará, terá que se curvar a minha passagem. Ele sabe disso. E me espera para o combate. Talvez até já comece a me reconhecer. E subo, e também paro para refletir. E cá estou, concentrando-me.
Estou cada vez mais só – e mais forte. A solidão é a fonte da força e quem disse que não é boa? É muito bom este estado. Estou quase atingindo o centro negro. Quase. Só mais um pouco e conseguirei. Isso é divino, é Deus. Ele não tem definição, simplesmente é. Yod. Um triângulo negro. Yod no meio. Olhando todos os dias para ele descobri que ele era Deus. E ele já é meu sócio. Deve ser por isso que estou tão tranqüila, mesmo que tudo ao meu redor desabe, mas não vai desabar... Embora haja acontecimentos que já foram anunciados nas colunas... mas já tentei amenizá-los, pela paz e pelo amor profundo. E continuarei emanando assim, para que as quedas não sejam tão duras para os seus atores...
Mas na montanha vejo que volto a dominar os meus passos e isso é muito bom. Recuperei o anel do poder, ou ao menos ele me foi concedido, mas agora a responsabilidade é bem maior, o contrato foi anunciado também entre as colunas de Jaquin e Boaz. E no Templo de Salomão tudo reverbera para o infinito. E deve ser olhado com muita seriedade. Continuo viva e em troca tenho que fazer o que me foi ordenado. Então continuo, o céu se modifica e consegui alcançar o segundo céu. Tudo é silêncio. Então é permitido que eu me alimente agora. Façamos o combinado, então. E quanto aos que se encanecem de mim, estes terão o que é deles merecido, como todos sempre têm, já que assim é a Lei. Eu tenho, eles têm. Então me sento na montanha, na minha montanha, e páro para a alimentação do corpo e do espírito. Assim seja.
 23/5/2004 15:53:46







D’ÁGUA

Foto 7: P.I.G.S. "Plantas aquáticas". Rio de Janeiro, 2008.
“Vou descendo rio abaixo/numa canoa furada...
eu morava no fundo d’água e não sei quando eu voltarei...”
(grupo anima ?)


A pequena morava no fundo. Caruanas rodeavam-lhe na imensidão do mar e vez em quando lá ia um pajé aprender as artes. Mas ela olhava e não queria voltar...era feliz no fundo mesmo. Nas profundas. Nas grutas, mergulhando com os peixes, e nas festas dançando com os botos. E disso se lembra sim: no escuro, iam e vinham e olhavam sempre as estrelas, ao longe, um barco ligava o seu motor e famílias e famílias de ribeirinhos passavam e passeavam também por aquelas paragens. Mas logo todo o burburinho humano cessava e eram eles – os encantados – que faziam a festa. Hora de esperar que as frutas chegassem e arrumassem as mesas lá no fundo para o baile. Desde cedo já se via essa gente clara se penteando, passando babosa nos cabelos, e se perfumando com o óleo das plantas do rio. Que cheiravam sim. A peixe. Em noite de lua cheia todos estavam lá para festejar a fertilidade e as águas estarem em harmonia. O navio apareceria e com ele toda uma orquestra tocando música das esferas. Os que estivessem acordados na ilha até viriam e talvez até pensassem que aquilo tinha sido alucinação, delírio. Mas não, do fundo da cidade dos encantados, mais uma lua cheia seria festejada e todos celebrariam o retorno da Grande Luz, que ciclicamente sempre retorna, para manter acesa a chama, brilhando do fundo do mar extenso para todo o universo. Ela olhava tudo, mas se visse qualquer movimento ameaçador, em um pulo, voltava para a água e lá no fundo se refugiava. E foi assim por muito tempo, até que não se sabe porque ela quis ser como aqueles que via passando de barco naquele rio e na beira de uma praia, um dia, perguntou a um humano muito assustado, se ele poderia retirar um pouco de seu sangue, assim ela se tornaria como ele. O que foi depois disso, não se sabe.
Acordei.



Mulher obscura

Foto 6 : P.I.G.S. "Visita ao Jardim". Rio de Janeiro, 2008.
“Fôssemos oniscientes e tudo seria perfeitamente claro”
William Blake.


Os cabelos são negros, macios e longos. Cacheados. Seus olhos são tristes, apagados. Guarda uma mágoa profunda. Ou não. Nenhum sentimento para decifrá-la. Talvez tenha tido a vida interrompida fora de hora, de forma injusta. Lembra bastante aquelas pessoas que, quando vítimas de forças das trevas, apagam a luz da divindade e da vida nelas próprias. Ficou triste. Atravessou a fronteira entre os mundos, mas diante do portal recuou e voltou. Achava que não estava certo tudo aquilo. Permaneceu como fantasma junto a milhares de outros vagantes por muitos anos até que uma providência fosse tomada. Então soldados a levaram e ela passou por um certo aprendizado entre os mundos. Mas continuava sem se conformar com a interrupção criminosa de sua última vida. Argumentou. Os deuses então permitiram que voltasse e concluísse a missão. Dessa vez seria diferente e ela não causaria dano a ninguém movida que era pelo profundo desejo de justiça. Voltou e olhou e várias vezes pediu perdão à sua filha e esta logo lhe perdoou e elas se abraçaram. Nos encontros nada era dito, tudo era apenas transmitido como que telepaticamente. Era o bastante. Fazia muito tempo que tinha partido agora. E como os fatos precisassem de um apoio seu, ela voltara e agora permaneceria em terra até que tudo se resolvesse. Seus olhos continuavam com aquela profundidade triste. Negros. Fitava o nada. Era uma morta e estava sem vida, mas ainda se apresentava como uma muçulmana, embora se vestisse de branco, agora. Que presença seria aquela?
Apenas uma revelação. Uma presença obscura. Uma imagem.
Que aguardava. Aguardava. Aguardava. O quê?

A Caminho

Foto 5: P.I.G.S. "Ar Fresco". Rio de Janeiro, 2008.
« Et je sentais des gouttes de rosée dans mon front
comme un vin de vigueur... »
(Arthur Rimbaud)


A manhã revelou-se então como um mistério. Tinha outro perfume e seu bálsamo consolava. Parecia falar com ela e lhe mostrar um rosto completamente novo e puro de desejos, sonhos, quimeras. As partidas e renascimentos eram freqüentes e a cada pisada desfolhava quimeras. Lembranças...O milho do cuscuz, o café fresquinho de sua mãe, as hortaliças recém-chegadas da horta... tudo isso lhe soava aos ouvidos como uma voz longínqua, mas ali mesmo, em presença viva.
Nitidamente havia a certeza de uma epifania. Talvez porque presenciasse a transformação se realizando e a mudança de aromas e de vôos e de cantos outrora adormecidos. O ar da relva, o cheiro do cavalo, a estrada repleta de outono e de verde, tudo isso retornava a ela feito uma benção, um beijo carinhoso nas faces, um raio rosado.
E tinha de chegar. Isso era tudo. Mas desfazia o nó. A visão era bela e encantava. Fazia perder o senso de realidade. (Mas que real?) Talvez na verdade penetrasse àquela hora o verdadeiro real. Esse, livre da corrupção mundana e sem grades. Mas as horas pesavam e precisava partir. O cavaleiro interpelou-a e ele mesmo parecia uma ilusão, uma esfinge, perguntando-lhe de onde ela era. De onde?
Escorregou para o seu mundo aguardando o próximo ato.
E ele veio, sem trégua.


A Carta

Foto 4: P.I.G.S. "Esperança". Rio de Janeiro, 2008.


"Com as lágrimas do tempo e a cal do meu dia eu fiz o cimento da minha poesia".
Vinícius de Moraes

Então o estranho deu-lhe a carta no caminho e pediu-lhe que entregasse numa cabana próxima à sua. Nem teve dúvidas, não lhe seria nenhum trabalho...
O caminho foi, ao contrário de suas tolas expectativas de menino, longo e árduo. Ventava muito e ao longe ouvia-se o uivo de muitos lobos. Sequer sabia que havia lobos naquele território. Não sabia também daqueles rastros, daquelas rotas, daqueles ventos. Quase nada sabia. Só sabia sorrir e brincar. Não encontrou aquela casa...nem o estranho velho voltou a rever. Na noite, somente trevas e os sons incompreensíveis da natureza. E nada acontecera. Nenhuma revelação. E a carta em suas mãos, tão convidativa...mas não! Jamais violaria uma correspondência. Então olhou em volta, constatando mais uma vez o engano. Decidiu largá-la ali mesmo. O velho decerto havia se enganado. Deixou-a abaixo de uma pedra colossal. Perto do Monte Fuji. E partira.
Cresceu. Viveu. Tornou-se tão grande que lhe era então impossível continuar naquela aldeia. Todos reconheciam isso e lhe deixaram partir. Pegou então seus poucos bens e embarcara no navio.
Anoiteceu. Amanheceu e anoiteceu de novo. A vida lhe trouxera alegrias, tristezas, descobertas, sempre muito longe de sua aldeia. Mas aquele sol ele trazia em toda parte dentro dele, aquele entardecer que só existia no seu lugar.
Um dia então, na Grande Cidade, teve notícias de que uma descoberta havia se realizado sob o monte Fuji. Estremeceu. Não podiam! Aquele tesouro era só seu. A ele tinham confiado!
Então adoeceu, chegou a delirar à noite de febre: uma mulher toda de preto mexia em seus armários. Tentava-lhe tirar a vida, mas ele lutava e lutava! Porque a vida era sua então! Os cavalos que vieram lhe carregar à noite tiveram que desistir e partir, porque batalhara a noite toda e ganhara sua vida de volta!
Despertara. Estava vivo. Parecia ter vencido. Havia gritado bastante com aquela misteriosa mulher e pelo jeito havia vencido a batalha já que no final ela lhe entregara, mesmo contrariada, todos os frutos doces que ela havia tomado para si, admitindo que eles lhe pertenciam.
Assim que ganhara forças, mesmo contra a vontade de todos, retornara à sua aldeia e fora praticamente voando, correndo, correndo – feliz – pois a cada vez que se aproximava do monte, sentia estar retomando algo seu...
Abaixo do monte a carta ainda estava intacta. Não, a tal exploração não conseguira entrar no Monte proibido. Talvez tivesse apenas se aproximado e alardeado aquilo como uma conquista. Apesar dos anos lá estava ela. Com muito cuidado ele a abrira, parecia que a qualquer momento ela se esfacelaria em suas mãos. Não foi o que aconteceu. A mensagem estava escrita em letras góticas, desenhada a bico de pena, e era:



“Esta é a história da sua vida.
...
Você reencontrou seu destino.
Veja você, inteiro.
No final, a morte”.



Mas as mensagens mudavam a toda hora que tentava fixar melhor seus olhar, como fantásticas partículas. Dançavam assim que se aproximava melhor delas para decifrá-las.
Então até que viu seu próprio rosto, depois seu próprio “eu”, trajado como um guerreiro, lhe fixando um olhar firme. Teve medo de si próprio. A imagem se desvanesceu. Após ele mesmo, viu uma águia, depois as imagens foram freneticamente se sucedendo umas às outras....
Uma súbita sensação tomou-lhe conta da alma, parecia-lhe que iria perder ar e desfalecer. A visão final que teve foi horrenda, mas enfrentou-a mesmo assim. Era só maya. A criatura horrenda então lhe sorrira. Parecia que o inferno alucinatório havia passado.
Então depois viu-se num barco, num nevoeiro. Sentia-se em paz enfim. De fato, sua viagem apenas continuaria.
Retomara o rumo.

Tetragrammaton

Imagem esotérica surgida misteriosamente no meu PC. 

 "Porque tudo o que vive é sagrado" (William Blake)

A descoberta da fonte da vida e da fonte do mal não foi talvez o limite do terror...e sim um acidente em que não se há memória.
Corações ambiciosos ainda desejaram compreender o ocorrido adentrando o sagrado com mãos impuras - desatinaram - já que não tinham o direito divino de conhecer. Tudo aconteceu num átimo de segundo...e em outro plano, não neste, reconhecido por eles como único, quando então se encontravam acordados.... Entre os mortais conscientes ficara a nítida sensação de que agora o tão esperado momento chegara. Vigiavam de dia, de noite, acordados ou aparentemente adormecidos. Olhavam pelos olhos, pelas costas e pelos pés...Estavam atentos a qualquer ruído e até à própria respiração...Outros, erguiam suas espadas mesmo quando achavam que apenas descansavam das lidas diárias...”não, não é sonho, isso é real...venha conosco, venha assumir sua antiga posição...”–dizíamos a eles e muitas vezes, já esquecidos, nos ignoravam... tudo não passava de um sonho, ou de um pesadelo...refletiam, durante o dia. Enquanto nós os guardávamos e ainda insistíamos em inspirá-los.... mesmo surdos e cegos ao que lhes dizíamos, no fundo, já sabiam que isso ocorreria e que algo havia mudado: o jogo recomeçara. O dragão fora despertado, os mortos voltavam “com vinte golpes fatais na cabeça”, conforme já havia lhes deixado escrito Blake, aquele que era também um dos nossos... os ventos dos primórdios sussurravam nos ouvidos... a roda da Fortuna dera suas voltas e o tempo havia chegado, o tempo do retorno havia chegado, já que uma aliança fora feita. Isto estava escrito e assim que tocado o pergaminho por mãos inábeis, tudo principiara a acontecer. Foram eles mesmos que se conduziram a esse ponto... a ambição humana, sem limites, a ciência... quis conhecer a Deus...
Entre nós, conta-se que na primeira batalha o bem teria vencido (ou teria sido o mal?) Desde então o sofrimento alastrara-se pelo planeta como um valor, a garantia de que – chorando, sofrendo – o homem alcançaria o reino dos céus, e reconquistaria o Éden de onde havia sido expulso. Tudo em vão, até mesmo essa idéia se desvanecera e o homem se lamentara, se desesperara até que não houvesse nem mesmo mais lágrimas para se prantear....nenhuma promessa mais lhe consolava...O raio por isso fora ordenado... o Senhor Supremo de Tudo que ainda É emanara. E tudo recomeçara. O acidente do qual todos já se esqueceram e no qual as lembranças já estavam todas mortas fora longinquamente recordado, porque o sopramos nos ouvidos e quisemos que eles o recordassem para que ele não mais tornasse a acontecer. E então alguns pintaram, outros desenharam, outros escreveram, outros fundaram mais uma religião e outros ainda consagraram templos à busca. Sim, conseguimos despertar alguns para nossa causa... mas a sangrenta batalha estava em curso e, por enquanto, não sabíamos quantos de nós já haviam desertado, enlouquecido, ou falhado...
Recebi Otávia, a Rainha. Havia em seu semblante um certo pavor pelo que havia experienciado... contou-me, sem falar, através de seu olhar sereno, num relance, que muitos dos enviados foram levados à loucura. Já não sabiam mais de que lado ficava a Morada... “a Luz vinha de onde? Por quem deveriam lutar?” Parecia que, engolfados pelos hábitos do planeta, eles não sabiam mais de que lado ficava o lado correto...e até agrediam-se...ou tentavam exterminar o seu semelhante. Foi por isso que ela voltara mais cedo para nós. Fora acusada, acanhada, violentada em seus brios. A multidão queria seu sacrifício e seu algoz acabou revelando-lhe a face: tirou o capuz e viu alguém que sempre fora seu amigo na Terra: “não me reconheces mais? Sou tua irmã!!”– gritara. O desnorteado nada mais entendia...havia sido tragado e sem forças, sem rumo, fora manipulado pelos seres infernais...achava que ela é que era a inimiga, e não lhe faltou muito para que ele achasse justo exterminá-la e ela atônita com a loucura de seu amado irmão, não teve tempo de reagir e... bom, fui busca-la, mais cedo e antes da hora prevista.... O sacrifício diante dos olhos vagos de seu amigo-irmão era algo muito justo e ela já sabia – porque da hora da partida sempre sabemos – que isso um dia ocorreria... e então, louco, vagante, encontrara outro e mais outros, e nada mais sentia...nada mais via ou ouvia...e como um autômata, o algoz se achava correto... ele foi um dos que tentaram invadir o templo sem permissão e teve como presente a loucura... os seres já sem luz encontravam-se pelos caminhos e cumprimentavam-se friamente e cada um apenas seguia... era algo verdadeiramente atroz. E pensar que, no passado, seu irmão era completamente equilibrado...
Eles eram assim: originalmente mutantes, pertenciam à nova raça que deveria habitar o planeta em seu momento de transição de uma dimensão para outra...seriam como que o embrião da nova Era, da Era de Paz, de Ouro, quando Saturno voltaria ao trono e abriria a Arca da Aliança trazendo uma era de paz e de felicidade para todos....ele fora um dos muitos que perdera a centelha divina nas rotas, nos caminhos que buscara e achara para ele...
Muitos haviam lutado até o fim de suas forças e chegavam agora completamente extenuados. Em baixo, perderam-se os sinais, os símbolos, já nem mais se reconheciam entre si. E poucos, bem poucos esgotavam-se tentando recuperá-los, reavivando lembranças, sentimentos e origens...
Outros ainda buscavam a Arca, na certeza de encontrá-la, continuavam positivamente com a espada em punho, e nós aqui, observávamos tudo isso, a batalha não parecendo às vezes muito nítida..nem mesmo para nós... e outras vezes parecendo muito difícil para os Filhos da Luz...O que nos acalmava um pouco mais os semblantes preocupados era que alguém ainda permanecia em Terra, a guerreira que nunca desiste: a Esperança. A batalha apenas começou. Mas quais seriam os planos do Supremo Magister?




(Nota: trata-se de uma adaptação de um texto que era peça de teatro, para uma performance, com colaboração de Elvira do Valle. A imagem utilizada surgiu misteriosamente em minha casa como proteção de tela de meu computador.)

"A Carne larga os ossos"

Foto 3. P.I.G.S. "Renascer". Rio de Janeiro, 2008. 


"Quer? Então faça acontecer, porque a única coisa que cai do céu é a chuva”."




Para se ter chegado
Foi preciso que
A alma retornasse
Ao seu estado de pureza
Original
Brincasse ao sol
Dançasse na chuva
Uivasse ao luar
Nua
Para se ter chegado
Foi preciso que
As vozes encontrassem ressonância
Que o corpo se calasse
Que o orvalho fosse ouvido
A lágrima sentida
Toda
Para se ter chegado
Foi preciso que
Se levantassem espadas
Em um acorde só
Em dó maior
Liberdade
Mudança
E a bandeira da paz vista em sonho.
Sonou a hora.
Partiremos em busca do Todo?
A palavra perdida nos espera
E não há mais guardas
Que nos impeçam o caminho.
Triunfo.


Silêncio

Imagem Eremita: Google. 

"A abelha atarefada não tem tempo para a tristeza".
William Blake


Quando a alma se defronta com o horror, se cala. O grito é dado para dentro e não há nada a ser dito. Se está diante do incognoscível, do inominável, do terror mesmo.
Há que se respeitar os limites. Guardiões invisíveis atemorizam os incautos: lhes impedem as entradas, defendem segredos perdidos e os raptos dos pergaminhos.
A estrada é escura. Os passos são retos e nem sempre vigilantes.



Há sim que se respeitar fronteiras. Toda instituição tem suas sombras. Seus guardiões invisíveis estão lá.



Então o peregrino entra em todos os lugares e nenhuma ameaça funciona. Nenhum decreto de morte chega ao fim. Todas as maldições se desvanecem já que não são justas. O peso é transmutado em leveza.
Ora, se trata de seu lar e são eles os hóspedes. Elementos impuros. Não há como impedir os passos de quem veio do centro, do oco do mundo. Suas pisadas nem são ouvidas, nem seu coração, que bate tão lentamente. Reconquistou o vôo e mesmo quando caiu em armadilhas profundas, os seres lhe levantaram, lhe retiraram do fundo, sussurraram-lhe aos ouvidos e o sussurro “força…” lhe inundou o ser, os pulmões e as narinas, e ela (a pessoa) ressurgiu, flutuante, inacreditável. Tal como a ave Phoenix, mas ressurgida das ondas.
Quatro olhos a testemunharam naquele não-momento, a contemplaram assustados e em vozes mais sentidas do que ditas lhe disseram que aquilo tudo era fora do comum. Horror, horror…
“A carne larga os ossos” – diz o ritual. E os ossos, inexistentes, já não servem para mais nada. Derretem-se ao sol. E a nuvem cinza esconde o drama. Um vidente teria visto um corpo refletindo dourado pisando leve no verde-musgo. Subindo, subindo, sob gritos de desespero que vinham do alto, longínquos e inenarráveis. Saberia que algo inacreditável e impronunciável havia acontecido. Mistério.
“Não…não, não…ledo engano” – refletiria. “ Somos loucos” – concluiria. Fora apenas uma impressão fugaz, passageira.
E o tempo seguiria, incólume. Retomando seus ponteiros e suas enganosas linhas.
Para o peregrino, pouco importava, voava ainda mais e tudo isso agora era seu e de mais ninguém.
Sua pedra é que sabia.

Sob o signo da Incerteza

Foto 1: P.I.G.S. "Trágico". Niterói-RJ. 2008.



Foto 2: P.I.G.S. "Alegria no Arpoador". Rio de Janeiro, 2008.


"Es muss sein!!"
(em Kundera)






Esse blog é para relaxar, escrever, poetar, confidenciar, devanear, fazer prosa poética ou prosa com poesia...enfim, é para exercitar a escritura. Não tenho qualquer pretensão de ser original a essas alturas do tempo e da vida... Sou tudo que li e que absorvi e que respirei. De vez em quando quem me ler vai sentir rastros de Clarice Lispector, ou de Fernando Pessoa, ou sabe-se lá quem mais... são fantasmas que ficam em nossa memória, zanzando, pulsando, deixando rastros e escrevendo suas rotas...são recriados, retomados, presentificados... isso aqui é um ponto de fuga; escrita com poesia ou não, sem fronteiras, sem bordas, sem porto, porque...







Como já dizia Berman, "tudo que é sólido se desmancha no ar".







Possuir certezas nesses tempos só pode ser uma utopia. Sou filha desse tempo e a escritura - a minha - vem daí: do nada. Fonte primeira de onde jorra o líquido. Água. Algo que vem e que vai - como um fluxo incansável - mas que sempre está lá, à espera que um ato de coragem, de bravura, de violência até, dê concretude a esse algo que é tão impalpável, negrume das palavras, em tempos que só podem ter o gosto do trágico, do Es muss sein!