sábado, 26 de janeiro de 2008

D’ÁGUA

Foto 7: P.I.G.S. "Plantas aquáticas". Rio de Janeiro, 2008.
“Vou descendo rio abaixo/numa canoa furada...
eu morava no fundo d’água e não sei quando eu voltarei...”
(grupo anima ?)


A pequena morava no fundo. Caruanas rodeavam-lhe na imensidão do mar e vez em quando lá ia um pajé aprender as artes. Mas ela olhava e não queria voltar...era feliz no fundo mesmo. Nas profundas. Nas grutas, mergulhando com os peixes, e nas festas dançando com os botos. E disso se lembra sim: no escuro, iam e vinham e olhavam sempre as estrelas, ao longe, um barco ligava o seu motor e famílias e famílias de ribeirinhos passavam e passeavam também por aquelas paragens. Mas logo todo o burburinho humano cessava e eram eles – os encantados – que faziam a festa. Hora de esperar que as frutas chegassem e arrumassem as mesas lá no fundo para o baile. Desde cedo já se via essa gente clara se penteando, passando babosa nos cabelos, e se perfumando com o óleo das plantas do rio. Que cheiravam sim. A peixe. Em noite de lua cheia todos estavam lá para festejar a fertilidade e as águas estarem em harmonia. O navio apareceria e com ele toda uma orquestra tocando música das esferas. Os que estivessem acordados na ilha até viriam e talvez até pensassem que aquilo tinha sido alucinação, delírio. Mas não, do fundo da cidade dos encantados, mais uma lua cheia seria festejada e todos celebrariam o retorno da Grande Luz, que ciclicamente sempre retorna, para manter acesa a chama, brilhando do fundo do mar extenso para todo o universo. Ela olhava tudo, mas se visse qualquer movimento ameaçador, em um pulo, voltava para a água e lá no fundo se refugiava. E foi assim por muito tempo, até que não se sabe porque ela quis ser como aqueles que via passando de barco naquele rio e na beira de uma praia, um dia, perguntou a um humano muito assustado, se ele poderia retirar um pouco de seu sangue, assim ela se tornaria como ele. O que foi depois disso, não se sabe.
Acordei.



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