terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

Tempo de partir

Imagens Google. 
“...Sempre é tempo de partir.
Quando chove, você está com seu guarda-chuva ou não.”
(Poema China)


Ele não sabia quanto tempo já estava estático naquele lugar. Tinham-lhe atado pés e mãos e ele não conseguia reagir à óbvia situação desfavorável. Colocaram-lhe no mastro e dali não mais se mexia. Ventava frio. Algozes de quando em vez iam até lá torturar-lhe ainda mais. Queriam que ele se humilhasse, que negasse suas idéias. Que se prostrasse, que aceitasse que a terra era quadrada, sustentada por duas tartarugas gigantes.


E bastava um pequeno gesto. Um singelo gesto seu, um pequeno mover de mãos e estaria livre. Até livre daquela astúcia toda. E tudo mudaria. E por que não dava o passo?


Parecia sonhar com isso mas seus gestos eram apenas ilusões dos sentidos. Náusea: quando cria que tinha se movido olhava novamente e continuava no mesmo lugar. As correntes na verdade eram invisíveis e talvez estivesse somente esperando que o portal certo se abrisse e por lá adentrasse porque sabia que era o momento de pegar o guarda-chuva, fizesse sol ou sombras, e então seria a hora de partir.


O lugar era ambíguo. Sombras passeavam pelo ambiente. Absortas, recitavam escrituras. E retiravam-lhe forças em cada olhar - sem brilho - que lhe dirigiam.


Estava quase conseguindo a mudança. Apesar de tudo. Quase se mexendo. Sairia daquele estranho estado. Agora sabia: tinha ouvido longinquamente em um de seus pesadelos noturnos: a Ignorância, o Fanatismo e a Inveja haviam lhe colocado ali e então não havia nada de mistério nisso tudo. Ao ter buscado o Impossível o homem teve como sentença (ou como rito de iniciação) o confronto com o vulgar. Nada de novo nisso.





Sairia daquele lugar como quando se passeia sob a lua. Sem agitações que perturbem alguma atmosfera. Mas talvez a guerra não estivesse terminada e daí em diante apenas os personagens variariam seus acordes, mas os enredos seriam sempre os mesmos: um fala, outro responde. Um mexe uma peça no jogo de xadrez, outro reage - infinitamente. Porém agora havia uma diferença: ele era um Homem livre. Aguardava mesmo assim o brado da justiça, quando toda a perversidade seria desmascarada. Nesse momento, sim, desceria definitivamente do alto monte - porque o vento já seria outro e outra a história - e daria uma sonora gargalhada em solene homenagem aos seus algozes. Essa seria ouvida em todo Olimpo. Ora, tivera a voz subtraída, mas cultivara forças interiores por anos a fio, numa batalha em surdina.


Os abutres gritavam agora: perdiam alturas. Derretiam-se ao Sol.





É a Lei. A Roda gira. O Olho Tudo Vê.





Céu azul. Sentia que novos ares estavam chegando e finalmente poderia respirar livremente e voar junto com os seus. Superaria a estaticidade. Viveria vida plena e sem susto.

O tempo passou. Veio o navio. Triunfo. Entre as névoas da madrugada, o cheiro era do fresco orvalho: então embarcara para a Liberdade.





E a Liberdade era Azul.