domingo, 27 de janeiro de 2008

"Malleficarum"

Foto 13: "Pós-moderno, na exposição RJ". P.I.G.S., Rio de Janeiro, 2008. 
E foi tudo assim,
sem mais nem menos,
reconheço que os deixei atônitos,
mas será tal fato assim tão grave
o suficiente para terem me levado numa camisa-de-força?
(Helena Jobim)
Caíamos. E em velocidade absoluta como num passeio de montanha-russa. Passeio? Não. Apatia, indiferença, decrepitude. Mas se ao menos encarássemos a dor...e não. Nos anestesiávamos porque não queríamos ver nem sentir. O mal tinha um rosto horrendo. Não o queríamos ver.
A falta de atitudes, de gesto, de cheiros, de grandes paixões, de vida. O mormaço e o sol de verão não mais despertavam para um novo dia com mais conquistas. E sim falavam sobre destruições... e o mal escondido dentre nuvens cinzas e brumas pesadas de palavras não-ditas. E os amores estavam perdidos, em fuga, porque a vida fora sufocada.
Naquele dia todos os sentimentos foram estilhaçados. Porque ser era proibido. Chorar era proibido. Precisaríamos recuperar essa coragem de viver as emoções. Depois da fuga, cada um entrara em seu próprio mundo. Depois de tomada a substância todos se foram. E partiram para o mundo sem dores, da falsa alegria, da completude perdida e vivida somente no útero materno.
Naquele dia diferentes vozes foram ouvidas. Eu não sabia mais a diferença entre o tempo, o espaço e o ser vivo. E ela, a grande e terrível mensageira me olhava friamente. Me dizia que diante dela tudo deveria calar-se e ganhar uma mudez ancestral que só diante de sua verdade tal seria possível. O irremediável. O grande encontro. Sempre invocado nas orgias. E ela fora chamada e estava lá: segurava uma espada de prata cortante e fria. E em seus olhos havia um poder absoluto. Sem idade. Estava toda vestida de preto e seus poderes resplandeciam pelos detalhes em prata da vestimenta ancestral. Veio, olhou e nada proferiu. Sim, tive medo. Achava que a águia me raptaria em seu bico e não era a hora mas eu a vira porque a invocara. Morte, serena morte. Eu te conheci, e depois fiquei em prantos e inutilmente fui socorrida. Tentaram me retirar de teu abismo mas era tudo em vão. Meu corpo estava lá e meu espírito vagueava entre a morte e a vida. E quis a luz, a razão, as certezas, lutei por ela, gritei em altos brados, vida! Vida! Vida! Debati-me, queria ar, queria a vida com seus encantos e suas cores de inconstância, só que tudo era terrivelmente frio e soturno. Imagens horrendas acentuavam-se à minha frente: era a sombra de cada um.
Naquele dia eles vieram e não disseram nada. Desvaneci-me de súbito entre agulhas, paredes, camisas e homens de branco. Eles – que nada diziam e ofereciam-me o real como ruína. Eles – que se achavam em plena posse das faculdades mentais. Eles, donos do poder, que me obrigavam a beber do triste cálice do ilusório racional.
Atrozes as ruínas, as gargalhadas e todo o controle. Atroz, sem história e sem nenhum sentido. Além de mim, outros seres vagueavam já sem vida. E outros sorriam debilmente para a falta de futuro.
Eis-me aqui agora, absorta, nessa praça, debaixo dessas árvores recurvas, perscrutando esse vento que me sopra essa vozes antigas, tentando encontrar novamente o caminho que me levará a Malkut.

2 comentários:

plagium disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
plagium disse...

"Morte, serena morte. Eu te conheci, e depois fiquei em prantos e inutilmente fui socorrida" [petrina]... seu texto tem um vigor de uma boa prosa-poética... reflexões de alma que tão dispersa tenta se encaminhar pra frente [ou pros lado, não importa...] um movimento de palavras que dialogam com o tempo, um espaço abstrato...um olhar filosófico que nos conduz dentro da própria palavra... tens que continuar essa viagem, que bom!