Foto: minha. Eclipse. P.I.G.S. (2009) |
"Um eclipse escurece teu céu nessa caminhada"
(do Livro da Sorte)
Chuva com sol deveria ser prenúncio de algo. Signos de água talvez fossem favorecidos naquela queda. Mas nada disso. Tudo transparecia igual. Caminhava sob um céu azulado e o sol negava-se a se pôr.
"Subverta!" - dizia um gravador. Eram tantas as repetições que não sabia mais o que fazer. Enlouquecia. Ouvira dizer que esse efeito alucinógeno se tratava de um mero chip. Ficara perplexa: o foco era o cérebro. A voz lhe dissera que era difícil desativá-lo pois parecia que ele era de diamante, ela lhe contava histórias e no final negava-as todas. A conversação inútil era freqüente e incomodava.
Chegara a pensar que fosse esquizofrenia mesmo. Quem sabe um medicamento, uma internação resolvesse esse mistério. Ou quem sabe, encontrasse socorro na religião. Mas era tudo tão estranho: enviava ordens e também as recebia. Conversava mentalmente como se estivesse escutando um rádio numa longa e cansativa entrevista que parecia não ter fim. Evidentemente que questionava e analisava tais ordens: eram coerentes? Trariam consequências futuras?
"Subverta!" - dizia a voz insana.
Mas sua subversão era até clássica. Gostava dos desafios mas também crescia no silêncio. Nem sempre desejava a tal da subversão. Tudo muda e já sabemos quantos naufragaram nessa queda, obedecendo, seguindo pretensos mestres.
Com o tempo, tivera enjôos e calafrios. Surtava. Chegara a tomar um mingau inteiro por conta daquela voz que lhe sugerira tal coisa:
"Toma o mingau! É para desligar o chip!"
Temos todos momentos de fraqueza e quem sabe aquele eco se calasse. Tomou sofregamente.
Sim, até pensou que sentiria sono. Mas adora nadar e na sua alma às vezes encontra o rumo certo. Dormir era fuga mesmo.
Insuportável. Chegara no limite. A tal da voz diversas vezes lhe sugeria absurdos, colocando-lhe em situações de risco:
"Compareça em tal lugar, em tal hora, Fulano de Tal ou seus amigos estarão todos lá"
"Nós estamos chegando! (Mas não chegavam)
"Estamos agora na porta do santuário...digo...não! É do cemitério!"
Resistia. Julgava em seu íntimo que se tratava de uma artimanha. Mas lhes comunicara que a linguagem dos arcanos é sempre eterna e o portal não se abre para qualquer um. Diante do fato sabia que qualquer pisada em falso poderia lhe ser fatal. Mas temia pela sua securidade. Também às vezes duvidava de tudo isso e dizia para si mesma que tudo isso era paranóia ou mistificação.
Porém quando estamos cercados não há muito o que fazer. Fazemos escolhas de vida ou de morte. Um jogo de xadrez difícil. Tudo escuro. Perseguição. Será que a Hora era chegada?
Então invocamos a voz longínqua do papagaio interior... sua luz talvez nos sugerisse um caminho e nos acalmasse. Talvez ele mostrasse uma saída para a gruta. Fugimos da situação.
A aflição continuava e clamamos pelo oráculo. Olhamos para o sagrado. Mas o que foi ouvido não foi muito agradável. Cortes certas vezes são inevitáveis pois uma peça mal-colocada no veículo pode explodir o carro inteiro.
A história...sucessão de eventos nem sempre compreensíveis para a razão. Ela nos mostra o quanto um acaso qualquer, fortuito, pode definir uma vida. Às vezes uma pedra apenas desmorona com o edifício inteiro. Daí, certas escolhas são fatais.
Naquele dia, entre um bicho e outro, em um dia atípico e bizarro, enquanto caminhava entre vários desatinos, um rosto apenas se revelara no meio da multidão. Ele apontava para a liberdade.
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