
No fundo do mar, um abismo
"Un coup de des jamais n'abolira le hasard"
(Mallarmé)
O umbigo do mundo batia no fundo do rio. Ele me olhava e me chamava. Mergulhei, encontrei os egípcios, velhos conhecidos. Vislumbrei o caminho, o sol, as placas e só podia ser essa a dor de que me falaram: a dor de uma saudade. Um rosto querido que havia se perdido, ele precisava ser reencontrado. Busquei então em todos os portais de todo o labirinto. Encontrei amigos que se haviam perdido em aventuras na busca pelo Desconhecido. Eles foram reencaminhados aos seus antigos lugares. Mas daquele que eu tinha saudades não vi. Não o reencontrei. Ele não devia estar então no labirinto. Quem estava por lá havia envelhecido pelo menos alguns dez anos, de castigo, por ter invadido território sagrado sem preparação nem autorização. A curiosidade é insana: provoca perda de memória e da noção de nosso tempo existencial. Depois vem um vazio absoluto.
O umbigo batia como um coração e fui lá, atraída, depois pensei, lá no fundo: não sei, não deveria ter voltado para cá. Tubarões sempre me perseguem e quando não; torturam; atacam-me coração, mente, corpo, até o útero querem destruir e roubam-me também o sangue. Um nojo essa gente. Não são pessoas, são impostores de agentes desaparecidos: eles se dizem policiais. Acho mesmo que fugiram da penitenciária e que usam os nomes desses policiais que realizaram a missão, isto é, a tarefa louvável de prendê-los.
Então fiquei lá, meditando em azul. Mas vieram sim os tubarões e eles pareciam de plástico. Um deles, muito feroz, foi me atacar. Fingi que me jogaria na larva daquele vulcão surgido no fundo do mar: vermelho, de chamas incandescentes, ele soltava larvas. Então, numa espécie de ardil, ao invés deste tubarão provocar a minha queda, fora ele que se jogara para lá. Mas não vi o fim da história, não sei se ele fora salvo. Acho que ele fora salvo sim. (Há sempre discípulos predispostos ao sacrifício). Voltei. Os outros perseguidores desapareceram. Eram de plástico e murcharam. Chegaram a urrar quando o líder se jogara. Vários deles, como se uma parte de suas partes escuras lhes fosse arrancada das entranhas. Mas realmente não sei do final da história.
Mas era o próprio umbigo que lá se localizava - o portal ficava numa praia do Salgado - um canto majestoso me atraíra para aquele fosso. Mergulhei, havia o belo, um raio dourado, e o mysterium tremendum do numinoso que me revelaria porque eu havia retornado. Ele fazia parte de mim, e precisei vir buscar Saturno. Porque era essa a missão.
Havia a esperança de felicidade no final do arco-íris e um sol enorme, majestoso. Quente e confortável. Tinha saudades do seu lar. Viera desse sol e do infinito.
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